As comemorações dos santos juninos misturam a tradição e a modernidade, demonstrando as mudanças na cultura popular com o passar do tempo. Os festejos de junho têm origem nos antigos povos europeus e encontrou lugar fértil para se estabelecer no nordeste do Brasil. Para conhecer a história das festas juninas, confira entrevista com a professora e pesquisadora Aglaé Fontes.
Qual a origem da autêntica festa junina?
AGLAÉ FONTES - Como fomos colonizados pelos portugueses, toda a religiosidade do ciclo junino é de influência portuguesa. Apesar disso, temos que voltar mais no passado. Os povos antigos festejavam neste período que, por coincidência é o nosso período junino, o solstício de verão. O sol mudava de posição e eles iam louvar a fertilidade dada pela terra, através de festas, orgias, sacrifícios.
Qual a participação da Igreja Católica nessa história?
AF - A Igreja percebeu o poder da festividade do solstício e pensou numa forma de atrair também as pessoas através de outras formas de comemoração. Eu digo que a Igreja lançou um véu cristão sobre o solstício de verão, ocorrido neste período, que é de verão na Europa. Então, a Igreja descobriu outras coisas importantes que acontecem neste período. Santo Antônio morreu dia 13, São João nasceu dia 24, São Pedro foi morto no dia 29 com São Paulo, que é outro santo do mesmo ciclo. Pronto, estava criada a história para desviar os festejos do solstício do aspecto profano.
O que aconteceu quando o costume dos festejos chegou ao Brasil?
AF - Daí, quando vieram para o Brasil, trouxeram o costume de louvar aos quatro santos, com novenas, trezenas, procissão. Só que o povo não se satisfaz apenas com o lado sagrado. Então, no nordeste, esse costume encontrou um campo fértil para se estabelecer e o que era solstício de verão, na Europa, coincidia com o nosso período de inverno, que também traz a fartura na terra, na cultura do milho, da laranja, mandioca, amendoim. Além disso, a religiosidade se integrou ao espírito do nordestino. O costume se espalhou e também se popularizou.
No início, como era comemorada a festa?
AF - No interior, o costume era fazer a festa junina em casa, os arraiás eram montados na própria rua e na frente da casa tinha uma fogueira com um pé de mamão, representando a fertilidade, sempre presente nos festejos. Então, no ciclo temos as danças, costumes, comidas, louvores aos santos e amores. Não é por acaso que depois do São João há uma fertilidade maior porque há uma permissividade maior durante os festejos e sempre tem mais gente para louvar o São João no ano seguinte.
Como começaram as comemorações em Aracaju?
AF - Todos os festejos, inclusive os de Aracaju, começaram pelo lado religioso muito antes dos louvores na colina do Santo Antônio. Naquele bairro, as pessoas armavam seus altares na sala da frente da casa e faziam seus louvores. Os festejos de Aracaju começaram naquelas imediações e era um evento particular, de vizinhança, nos sítios. Depois tornaram-se maiores quando as igrejas entraram com as comemorações, no caso da igreja do Santo Antônio que, anualmente, realiza uma grande comemoração, atraindo pessoas com suas promessas, louvores e pela fé.
Qual a origem das quadrilhas juninas?
AF - As orquestras francesas vinham tocar no Brasil colonial e, trazidas pelo poder, se apresentavam nos palácios entre os nobres, não era popular. Eles traziam as músicas que estavam na moda na Europa e a quadrilha era uma delas. Era uma dança também influenciada por danças rurais da Inglaterra, mas veio para o Brasil marcada em francês, muito calma. As músicas eram marchas. O povo só podia assistir aos nobres dançando de longe. A quadrilha se apresentava também nas festas de casamento dos filhos dos nobres, por isso que o noivo e a noiva sempre dançavam nas nossas quadrilhas juninas.
O que mudou nas quadrilhas?
AF - Quando o costume se popularizou, o povo não sabia falar francês e começou a criar outras expressões para a marcação da quadrilha. O povo também não tinha dinheiro para comprar os vestidos riquíssimos, feitos com fazendas nobres, que vinham da França para a nobreza se vestir. Então, no lugar do veludo, aproveitava o algodão, os florais dos tecidos de chitão, que eram acessíveis ao povo, e começaram a fazer a quadrilha. Isso se estabeleceu na zona rural, nas cidades do interior do nordeste.
E como elas surgiram em Sergipe?
AF - Surgiram também marcadas, em voz alta. Hoje, a quadrilha acelerou o ritmo, aproveita outras músicas e inseriu um ritmo de influência inglesa, vindo também com as missões, que foi aportuguesado para ‘xote’. A dança incorporou o baião, músicas cantadas e a marcação é feita com gestos. O conjunto não é mais uma orquestra, e sim, um trio com a zabumba, o triângulo e a sanfona. Daí, a dança foi se adaptando à nossa realidade cultural e as mudanças aconteceram, o que é normal em qualquer cultura.
Dessas mudanças, existem as que a senhora considera significativas?
AF - Sim, e outras terríveis. Acho significativo o fato de a quadrilha ter se multiplicado em Sergipe. Já tivemos anos com mais de cem, em Aracaju, e hoje temos cinqüenta, mas também tinham aquelas que apareciam só no mês de junho e depois se dissolviam. Hoje tem muitas quadrilhas que permanecem, isso é positivo. Outro aspecto positivo é que as pessoas começaram a ter mais orgulho de sua cultura.
E quais são as mudanças negativas?
AF - Quando as quadrilhas surgiram em Aracaju, cada uma se vestia do jeito que queria, no estilo junino. Hoje as quadrilhas têm figurinista, coreógrafo e se tornaram verdadeiros balés populares do ciclo junino. A roupa é bonita, mas os trejeitos no ombro e o sacudir das saias são coisas incorporadas estranhamente, não foi uma mudança natural, mas imposta pela coreografia feita para disputar concurso. Em outra época existia também uma idéia negativa de caracterizar as pessoas do interior, com roupas remendadas, como se fosse de matuto. Mas um matuto em dia de festa não se veste com rasgados, então era algo caricato e muito desagradável para representar o personagem da zona rural.
Fonte: Portal Infonet