Mestre escultor vindo de Caruaru caiu nas graças da arte erudita, transformando-se em mito nordestino e herói da cultura de massa...
A arte brasileira deve muito a Vitalino Pereira dos Santos, o Mestre Vitalino. Graças a suas esculturas, os grandes centros urbanos despertaram para o vasto território da criação plástica popular.
Nascido em 1909 na pequena vila de Ribeira dos Santos, perto de Caruaru
(PE), ainda criança começou a modelar boizinhos, louças em miniatura e
outros brinquedos para serem vendidos na feira local. Mas sua obra só
chegaria ao grande público quase quatro décadas mais tarde.
Quem primeiro atentou para a originalidade da produção de Vitalino foi o artista plástico Augusto Rodrigues (1913-1993). Em 1947, ele o convidou a participar de uma exposição coletiva no Rio de Janeiro somente com artesãos e artistas populares pernambucanos, como Manuel Eudócio (1931-) e Zé Caboclo (1921-1973). Eram todos desconhecidos no Sudeste.
A Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana foi um sucesso, e até hoje é considerada um marco na história do interesse pela arte popular, não só por revelar a obra de Vitalino, mas também por chamar atenção para a existência desse gênero de criação em diferentes regiões do país. A dura realidade do sertanejo nordestino da década de 1940 passava a ser conhecida e abordada por um caminho até então pouco usual: seus principais atores.
Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas antológicas, como “Violeiros”, “O enterro na rede”, “Cavalo-marinho”, “Casal no boi”, “Noivos a cavalo”, “Caçador de onça”, “Família lavrando a terra”, entre outras. “Eu, além de analfabeto, criei-me trancado vivo”, contou o Mestre a René Ribeiro, um de seus mais abalizados biógrafos. Essa difícil realidade, compartilhada com a maioria dos lavradores/artesãos de sua região, não impediu que o trabalho nascido nas cercanias de Caruaru desse origem a um dos maiores polos produtores de artesanato figurativo popular no país.
Para explicar seu processo criativo, Vitalino utilizava o verbo “estudar” – ou seja, projetar e executar a obra, atividades também definidas por ele como “fazer no sentido”. “Estudei um dia de fazer uma peça… Peguei um pedacinho de barro e fiz uma tabuleta; do mesmo barro peguei uma talisca e botei em pé, assim; botei três maracanãs (onças) naquele pé de pau, o cachorrinho acuado com os maracanãs e o caçador fazendo ponto nos maracanã pra atirar”, descreveu.
Quem primeiro atentou para a originalidade da produção de Vitalino foi o artista plástico Augusto Rodrigues (1913-1993). Em 1947, ele o convidou a participar de uma exposição coletiva no Rio de Janeiro somente com artesãos e artistas populares pernambucanos, como Manuel Eudócio (1931-) e Zé Caboclo (1921-1973). Eram todos desconhecidos no Sudeste.
A Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana foi um sucesso, e até hoje é considerada um marco na história do interesse pela arte popular, não só por revelar a obra de Vitalino, mas também por chamar atenção para a existência desse gênero de criação em diferentes regiões do país. A dura realidade do sertanejo nordestino da década de 1940 passava a ser conhecida e abordada por um caminho até então pouco usual: seus principais atores.
Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas antológicas, como “Violeiros”, “O enterro na rede”, “Cavalo-marinho”, “Casal no boi”, “Noivos a cavalo”, “Caçador de onça”, “Família lavrando a terra”, entre outras. “Eu, além de analfabeto, criei-me trancado vivo”, contou o Mestre a René Ribeiro, um de seus mais abalizados biógrafos. Essa difícil realidade, compartilhada com a maioria dos lavradores/artesãos de sua região, não impediu que o trabalho nascido nas cercanias de Caruaru desse origem a um dos maiores polos produtores de artesanato figurativo popular no país.
Para explicar seu processo criativo, Vitalino utilizava o verbo “estudar” – ou seja, projetar e executar a obra, atividades também definidas por ele como “fazer no sentido”. “Estudei um dia de fazer uma peça… Peguei um pedacinho de barro e fiz uma tabuleta; do mesmo barro peguei uma talisca e botei em pé, assim; botei três maracanãs (onças) naquele pé de pau, o cachorrinho acuado com os maracanãs e o caçador fazendo ponto nos maracanã pra atirar”, descreveu.
Por volta de 1935, os artesãos da região passaram a produzir novos
tipos de obras, chamadas por seus autores de “peças de novidade”. Eram
modelagens de grandes grupos, em cenas cujo impacto residia na maneira
franca como eram fixadas situações corriqueiras, muito conhecidas da
grande maioria dos brasileiros, mas jamais merecedoras de registro na
escultura. Retratavam o cotidiano dos lavradores – da gente da roça e
das pequenas vilas onde prevalecia a economia agrária –, que até então
nunca havia sido considerado merecedor de registro na escultura. As
situações, reais e imaginárias, refletiam diretamente os diferentes
pontos de vista de indivíduos das camadas mais simples da população. E
como o Brasil ainda era predominantemente rural, aquelas imagens eram
bem conhecidas também dos moradores das cidades, fosse por experiência
própria ou pela proximidade do estilo de vida agrário nos subúrbios e
periferias. “Eu via fazê uma procissão no mato – fazê a novena, botá os
santo no andô, saí o povo com o zabumba…Eu estudei aquilo e botava no
barro…”, afirmava Mestre Vitalino.
De certa forma, o impacto dessas imagens vem justamente de sua banalidade. Elas eram um verdadeiro “achado”, por retratarem fatos e coisas que estiveram sempre ali, à vista de qualquer um, extraindo da simplicidade sua beleza. A consagração de Mestre Vitalino foi, sobretudo, a consagração de um gosto e de um tipo de olhar sobre a realidade. Daí ter sido sua criação legitimada quase instantaneamente como “arte”.
Depois da “estreia” no Rio de Janeiro, uma nova exposição, em janeiro de 1949, ampliaria a fama de Vitalino, desta vez no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Dali em diante, sua trajetória acumularia momentos altamente consagradores. Aplaudido por seus companheiros de Caruaru, transformou-se numa atração da feira da cidade. Foi homenageado em festas públicas importantes, tendo sido recebido com honras por governadores da antiga Guanabara, de Pernambuco, Goiás e Alagoas, e louvado em jornais, revistas e livros por escritores e poetas como Joaquim Cardozo, Manuel Bandeira e Hermilo Borba Filho.
Exemplares de sua obra foram adquiridos pelos principais museus brasileiros e por colecionadores particulares. O estudo de sua vida deu origem a publicações e teses. Após sua morte, ocorrida em 1963, seu círculo de influência se ampliou – ele foi convertido em personagem da cultura de massa. Mestre Vitalino foi o principal personagem dos enredos de várias escolas de samba no Rio de Janeiro. No carnaval de 1977, a Império da Tijuca apresentou “O mundo de barro do Mestre Vitalino”. No ano seguinte, a Mocidade Independente de Padre Miguel desfilou com o tema “Brasiliana”, no qual o escultor era citado. No desfile de 1982, a Beija-Flor cantou os versos de Wilson Bombeiro, Carlinhos Bagunça e Joel Menezes: “Mas Mestre Vitalino molda em barro o destino do povo tão sofredor”. E em 1983 foi a vez da Unidos da Tijuca, com o samba “Devagar com o andor que o santo é de barro”. Sua obra também inspirou os documentários cinematográficos “O mundo de Mestre Vitalino”, produzido por Armando Laroche (1953), e “Adão foi feito de barro”, de Fernando Spencer (1976). Em 1977, Geraldo Sarno filmou “Vitalino, Lampião”.
De certa forma, o impacto dessas imagens vem justamente de sua banalidade. Elas eram um verdadeiro “achado”, por retratarem fatos e coisas que estiveram sempre ali, à vista de qualquer um, extraindo da simplicidade sua beleza. A consagração de Mestre Vitalino foi, sobretudo, a consagração de um gosto e de um tipo de olhar sobre a realidade. Daí ter sido sua criação legitimada quase instantaneamente como “arte”.
Depois da “estreia” no Rio de Janeiro, uma nova exposição, em janeiro de 1949, ampliaria a fama de Vitalino, desta vez no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Dali em diante, sua trajetória acumularia momentos altamente consagradores. Aplaudido por seus companheiros de Caruaru, transformou-se numa atração da feira da cidade. Foi homenageado em festas públicas importantes, tendo sido recebido com honras por governadores da antiga Guanabara, de Pernambuco, Goiás e Alagoas, e louvado em jornais, revistas e livros por escritores e poetas como Joaquim Cardozo, Manuel Bandeira e Hermilo Borba Filho.
Exemplares de sua obra foram adquiridos pelos principais museus brasileiros e por colecionadores particulares. O estudo de sua vida deu origem a publicações e teses. Após sua morte, ocorrida em 1963, seu círculo de influência se ampliou – ele foi convertido em personagem da cultura de massa. Mestre Vitalino foi o principal personagem dos enredos de várias escolas de samba no Rio de Janeiro. No carnaval de 1977, a Império da Tijuca apresentou “O mundo de barro do Mestre Vitalino”. No ano seguinte, a Mocidade Independente de Padre Miguel desfilou com o tema “Brasiliana”, no qual o escultor era citado. No desfile de 1982, a Beija-Flor cantou os versos de Wilson Bombeiro, Carlinhos Bagunça e Joel Menezes: “Mas Mestre Vitalino molda em barro o destino do povo tão sofredor”. E em 1983 foi a vez da Unidos da Tijuca, com o samba “Devagar com o andor que o santo é de barro”. Sua obra também inspirou os documentários cinematográficos “O mundo de Mestre Vitalino”, produzido por Armando Laroche (1953), e “Adão foi feito de barro”, de Fernando Spencer (1976). Em 1977, Geraldo Sarno filmou “Vitalino, Lampião”.
Embora se reconheça o papel fundamental de Mestre Vitalino na atenção que o universo da criação popular passou a receber, o fértil universo artístico surgido no Alto do Moura não foi obra de um homem só, nem fruto do acaso. Tratava-se de uma comunidade oleira, onde muitos dominavam as técnicas da cerâmica numa época em que começava a diminuir o interesse por objetos utilitários feitos dessa forma. A industrialização recente passava a oferecer louças e outros utensílios feitos de alumínio e de plástico, considerados mais atraentes e práticos. Com isso, os ceramistas tradicionais se viram pressionados a descobrir novos usos para seus talentos. Ao mesmo tempo, mudava o entendimento do que poderia ser admitido como arte e sobre quem poderia ser considerado artista.
Vitalino virou mito e personagem da cultura de massa, numa atualização do interesse que a temática sertaneja despertava no imaginário nacional desde o século XIX. De padre Cícero e Antonio Conselheiro ao fim do cangaço, com a morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, em 1938, os símbolos da cultura popular nordestina corriam o país e ganhavam as artes. Em 1953, o filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, recebeu no Festival de Cannes, na França, o Prêmio Especial do Júri na categoria de melhor filme de aventuras. Até aquele momento, o filme foi a produção nacional de maior sucesso de bilheteria no Brasil e no exterior. Na literatura – que punha em xeque a erudição acadêmica, revelando a sofisticação presente na linguagem popular –, o exemplo paradigmático foi Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (1956). A temática regional voltou a ter destaque no cinema em 1962, com a vitória em Cannes do filme “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte.
Vitalino não foi apenas um artista talentoso (também era músico e tocava numa banda de pífaro). Entre suas virtudes, destaca-se a solidariedade dedicada aos companheiros, os primeiros a reconhecerem-no como mestre. A consagração como uma espécie de herói tornou sua posição extremamente integradora, permitindo que amplos setores sociais reconhecessem e qualificassem positivamente, pela via das artes plásticas, um vasto contingente popular que até então raramente ganhava notoriedade. Também contribuiu para desestabilizar estereótipos sobre o mundo rural, revelando homens de carne e osso que, por todo o Brasil, se dedicavam a atividades sensíveis e criadoras – da moda de viola à literatura de cordel, da criação de adereços para festas à produção de ex-votos, do entalhe em madeira à atividade artesanal cerâmica.
Angela Mascelani é diretora do Museu de Arte Popular Brasileira Casa do Pontal e autora de O mundo da Arte Popular Brasileira (Mauad, 2002).
Saiba Mais - Bibliografia:
ABREU, Regina. O enigma de Os Sertões. Rio de Janeiro: Rocco,Funarte, 1998.
CABRAL DE MELLO, Paulino. Vitalino sem barro: o Homem. Rio de Janeiro:Fundação Assis Chateaubriand/MinC,1995.
COIMBRA, Silvia; MARTINS, Flávia e DUARTE, Letícia. O reinado da Lua – escultores populares do Nordeste. Rio de Janeiro: Salamandra,1980.
FROTA, Lélia Coelho. Mestre Vitalino. Recife: Fundação Joaquim Nabuco,Massangana, 1986.
CABRAL DE MELLO, Paulino. Vitalino sem barro: o Homem. Rio de Janeiro:Fundação Assis Chateaubriand/MinC,1995.
COIMBRA, Silvia; MARTINS, Flávia e DUARTE, Letícia. O reinado da Lua – escultores populares do Nordeste. Rio de Janeiro: Salamandra,1980.
FROTA, Lélia Coelho. Mestre Vitalino. Recife: Fundação Joaquim Nabuco,Massangana, 1986.
Onde encontrar Vitalino
O acervo de Mestre Vitalino está espalhado por diversos museus do Brasil
e do exterior. Até o Louvre, em Paris, abriu espaço para as obras do
ceramista. No Brasil, grande parte das obras está no Rio de Janeiro, em
Recife e no Alto do Moura.
O Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, o maior e mais significativo acervo de arte popular do país, detém o maior número de obras do artista. Fica aberto ao público de terça a domingo, das 9h30 às 17h. O endereço é Estrada do Pontal, 3295, Recreio dos Bandeirantes. Telefones: (21) 2490-3278 e (21) 2490-4013. Na cidade, também abrigam obras de Vitalino o Museu do Folclore Edison Carneiro, o Museu da Chácara do Céu e o Museu Nacional de Belas Artes.
No Recife, o Museu do Homem do Nordeste, integrado à Fundação Joaquim Nabuco, abre às terças, quartas e sextas-feiras das 11h às 17h; às quintas, das 8h às 17h, e sábados, domingos e feriados, das 13h às 17h. O museu fica na Av. 17 de Agosto, 2187, Casa Forte. Telefone: (81) 4415500, ramal 636.
No Alto do Moura, comunidade de artistas que fica a sete quilômetros do centro de Caruaru (PE), funciona na antiga casa do mestre a Casa-Museu de Mestre Vitalino, administrada por um dos seus filhos. No local estão expostos objetos de uso pessoal do artista, fotos, suas ferramentas de trabalho, móveis e utensílios. No quintal fica o forno a lenha circular, para a queima da cerâmica. Telefone: (81) 3725-0805.
O Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, o maior e mais significativo acervo de arte popular do país, detém o maior número de obras do artista. Fica aberto ao público de terça a domingo, das 9h30 às 17h. O endereço é Estrada do Pontal, 3295, Recreio dos Bandeirantes. Telefones: (21) 2490-3278 e (21) 2490-4013. Na cidade, também abrigam obras de Vitalino o Museu do Folclore Edison Carneiro, o Museu da Chácara do Céu e o Museu Nacional de Belas Artes.
No Recife, o Museu do Homem do Nordeste, integrado à Fundação Joaquim Nabuco, abre às terças, quartas e sextas-feiras das 11h às 17h; às quintas, das 8h às 17h, e sábados, domingos e feriados, das 13h às 17h. O museu fica na Av. 17 de Agosto, 2187, Casa Forte. Telefone: (81) 4415500, ramal 636.
No Alto do Moura, comunidade de artistas que fica a sete quilômetros do centro de Caruaru (PE), funciona na antiga casa do mestre a Casa-Museu de Mestre Vitalino, administrada por um dos seus filhos. No local estão expostos objetos de uso pessoal do artista, fotos, suas ferramentas de trabalho, móveis e utensílios. No quintal fica o forno a lenha circular, para a queima da cerâmica. Telefone: (81) 3725-0805.
FONTE: http://revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/todos-amam-vitalino